O CHARGEBACK E A RELAÇÃO ENTRE A ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO E O COMERCIANTE 24 de Agosto de 2020

O CHARGEBACK E A RELAÇÃO ENTRE A ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO E O COMERCIANTE

Com o crescimento do comércio eletrônico, se tornou cada vez mais frequente os questionamentos sobre a relação contratual estabelecida pela administradora ao comerciante, na qual há uma evidente relação de desigualdade entre as partes, pois o contrato de adesão impõe ao comerciante suportar todo o risco da atividade desenvolvida por ele. O intuito deste breve artigo é fomentar o estudo do chargeback, tendo em vista a crescente demanda de compras online, seja por sites ou por aplicativos.

O surgimento do cartão foi nos Estados Unidos, em meados de 1950. A ideia surgiu quando três executivos saíram para jantar e não possuíam dinheiro e nem cheque para pagarem a conta. O dono do restaurante concordou em receber posteriormente, desde que eles assinassem a nota de despesas.(1)

MacNamara, um dos executivos, após esse acontecimento, teve a ideia do cartão de crédito. O primeiro cartão de crédito criado recebeu o nome de Diners Club Card, aceito inicialmente em 27 restaurantes e com cerca de duzentos usuários contemplados. No ano seguinte, em 1951, o número de usuários passou para mais de 42 mil pessoas, o que movimentou mais de um milhão de dólares, entre 330 restaurantes, hotéis e diversas lojas de varejo.(2)

A pioneira em cartões de crédito no Brasil foi a Diner’s Club, por volta dos anos 60. Ulteriormente, aumentou o número de cartões de créditos emitidos, quase sempre com a participação bancária, que hoje é uma das maiores características dos cartões de crédito.(3)

É bem perceptível o aumento da utilização e da adesão de cartões de crédito. As empresas administradoras do ramo juntamente com os bancos nacionais estão cada vez mais interessados em atingir parcelas maiores da sociedade, por intermédio de propagandas veiculadas aos meios de comunicação, e também diversas prerrogativas como: pontos, milhas e acesso a salas privativas em aeroportos, dentre outros benefícios que fazem com que o titular sinta-se privilegiado.(4)

Como bem mencionado por Cavalieri Filho, a função primordial do cartão de crédito é ser meio de expansão de crédito - “Participa da dinâmica da vida comercial, confere ao titular relativa liberdade de ação e permite usar do financiamento nas compras de bens e utilização de serviços.”.(5)

Figueiredo descreve a relação jurídica entre o fornecedor e a administradora da seguinte maneira: “se origina através de um contrato de filiação, que credencia o estabelecimento comercial a aceitar os cartões daquela administradora como forma de pagamento da venda de mercadorias e da prestação de serviço.”.(6)

O contrato firmado entre o comerciante e a administradora é de adesão, e caracteriza-se pela desigualdade econômica, pelas cláusulas estabelecidas unilateralmente pela administradora, não possibilitando ao comerciante discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

A utilização de cartão de crédito como meio de pagamento está consolidada no Brasil. Mesmo havendo outras opções de pagamento, a mais expressiva é a realizada por meio de cartões de crédito.

Diante das facilidades proporcionadas pelo comércio eletrônico, e o avanço que ele representa para a sociedade, ocorre que pessoas mal-intencionadas se aproveitam da fragilidade do sistema proporcionando a ocorrência de chargeback.

Chargeback pode ser definido como o cancelamento de uma venda paga com o cartão de crédito. Pode acontecer por dois motivos: o titular do cartão não reconhecer a compra ou a transação não obedecer aos critérios previstos no contrato regulamentado pela administradora. Nessas hipóteses, ao lojista não será creditado o valor da venda por ela ter sido considerada inválida, e, se o valor já tiver sido creditado, será realizado o seu estorno.(7)

Por colher proveito da atividade, é justo que a administradora suporte os riscos da atividade, fundamentado no parágrafo único do art. 927 do Código Civil. Não é certo recair ao lojista  o prejuízo, sendo que ele não obteve proveitos do negócio, em virtude do estorno.(8)

A cláusula que exclui a responsabilidade da administradora por chargeback vai contra o bom desenvolvimento do comércio à distância, pois recai sobre o lojista o risco de ter para si o prejuízo de uma autorização que primeiramente partiu da administradora.

Aplica-se à administradora a teoria do risco proveito, como bem explica Cavalieri: “o dano deve ser reparado por aquele que retira algum proveito ou vantagem do fato lesivo.”.(9)

A teoria do risco surge no Direito e é embasada no exercício de uma atividade, exprimindo  a ideia de que quem exerce uma atividade e aufere lucros direta ou indiretamente deve responder pelos danos que causar. A teoria do risco ampara-se no princípio da equidade: “quem aufere cômodos de uma situação deve também suportar os incômodos.”.(10)

A administradora é a única que se aproveita da atividade, pois o titular paga uma taxa anual para utilizar o cartão, e o fornecedor de bens e serviços repassa à administradora uma

 comissão sobre o total bruto das vendas efetuadas com o cartão de crédito. Sendo assim, a única beneficiária é a administradora e, em razão disso, deve suportar os danos causados em virtude da exploração de sua atividade.(11)

Atribui-se à administradora a teoria do risco do empreendimento, ou seja, “todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa.”.(12)

O risco aludido no parágrafo único do art. 927 do Código Civil, quanto à atividade normalmente desenvolvida, tem-se a noção de atividade como prática habitual almejando um fim, e que a partir de relações interdependentes podem surgir eventos imprevisíveis que causem danos.(13)

Na responsabilidade objetiva o nexo causal é indispensável e, em regra, o fato de terceiro é causa excludente de responsabilidade civil.

Entretanto, na situação em que o lojista e a administradora se veem envolvidos pela ocorrência de chargeback, não se exclui a responsabilidade desta segunda, ainda que em exista um fato de terceiro, em razão de fraude ou simples contestação da compra com cartão de crédito. Trata- se, pois, de típico fortuito interno por se tratar de condutas e fatos inerentes à atividade da administradora, de modo que este fato de terceiro não exclui a responsabilidade da administradora.

A conexão deste fato de terceiro está relacionada aos riscos do empreendimento, ligando- se também a falha do sistema de segurança da administradora ao proporcionar o uso do cartão sem  a presença física, não importa o motivo, a administradora não pode se omitir, porque “é sempre responsável pelas suas consequências, ainda que decorrente de fato imprevisível e inevitável.”.(14)

O chargeback decorre de uma falha no regular funcionamento do sistema da própria administradora que, previamente, autorizada cada operação de compra com cartão de crédito, e que permite que terceiros causem prejuízos aos lojistas, formulando falsos pagamentos em compras de produtos e tomadas de serviços. E nesse cenário, o fato de tercerio (fortuito interno) e a omissão da administradora (falha de segurança) reclamam para si a responsabilidade pelos prejuízos suportados pelo lojista.

A cláusula chargeback é inviável em face dos princípios da boa-fé e até mesmo da autonomia da vontade, principalmente se considerar que as relações entre lojista e administradora se perfectibilizam por meio contrato de adesão e pelo imposição compulsória e unilateral da cláusula, tornando-a vantajosa para a administradora e onerosa e arriscada para o lojista.

Sendo assim, busca-se com o princípio da boa-fé objetiva equilibrar a relação contratual, até mesmo com nulidade das cláusulas excludentes de responsabilidade por chargeback, de forma que não prejudique o desenvolvimento econômico e social.

A via judicial vem sendo cada vez mais utilizada pelos lojistas para questionar a responsabilidade das administradoras de cartão de crédito. Sendo assim, com casos cada vez mais frequentes nos Tribunais brasileiros, pode ser que seja possível “corrigir o desequilíbrio econômico hoje existente nos contratos impostos aos estabelecimentos pelas instituições financeiras e entidades credenciadoras.”(15)

A incidência expressiva de chargeback pode acarretar no encerramento da atividade exercida pelo lojista, uma vez que, muitos lojistas não conseguem suportar os encargos oriundos do estorno. Há cláusula imposta pela administradora, na qual, atingida certa porcentagem de chargeback, pode haver aplicação de multa ou até mesmo a rescisão do contrato em face do lojista.

Transferir ao comerciante inteiramente o risco das transações, faz com que o contrato seja excessivamente favorável para a administradora e prejudicial ao lojista, tendo em vista a onerosidade e o risco.

Conclui-se que o chargeback deve ser suportado pela administradora de cartão de crédito, que é a única que tira proveito da atividade, pois o lojista não dispõe de todo o lucro das vendas efetuadas com o cartão de crédito. Dessa forma, a única beneficiária é a administradora que obtêm lucro em virtude do negócio realizado, sendo assim, deve ser responsabilizada pelos danos causados pelos terceiros ao titular, fornecedor de bens ou serviços e aos terceiros prejudicados.

 

 

NOTAS DE FIM
 

1 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Souza. Cartão de Crédito: questões controvertidas. 2. Ed. Curitiba: Juruá, 2006. p. 17.

2 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Souza. Cartão de Crédito: questões controvertidas. 2. Ed. Curitiba: Juruá, 2006. p. 17.

3 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 3. ed . Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 1363.

4 PRADO, Wilson do. Responsabilidade civil das administradoras de cartões de crédito. São Paulo: Pillares, 2005. p. 131.

5 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 447.

6 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Souza. Cartão de crédito: questões Controvertidas. 2. Ed. Curitiba: Juruá, 2006. p. 35.

7 OSÓRIO, Josiane. Disponível em: Acesso em: julho de 2020.

8 TIMM, Luciano Benetti. Os grandes modelos de responsabilidade civil no direito privado: da culpa ao risco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 305.

9 CAVALIERI Filho, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 153.

10 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo. Atlas, 2012. p. 15.

11 PRADO. Wilson do. Responsabilidade civil das administradoras de cartões de crédito. São Paulo: Pillares, 2005. p. 191.

12 CAVALIERI Filho, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 194.

13 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Responsabilidade civil pelo risco da atividade: uma cláusula geral no código civil de 2002. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 75.

14 CAVALIERI Filho, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 198.

15 MOMBELLI, Elisa. Disponível em: . Acesso em: julho de 2020.

 

 

AGNES NAHAS
Advogada
OAB/SC 54.500

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